quinta-feira, maio 17, 2007

Os Sinos Dobram Por Nós




JC - Por que você atirou?
ADOLESCENTE - Eu botei (apontou a arma) e pedi a ela a bolsa. Ela não quis dar e o revólver disparou. Estava engatilhado e o meu dedo escorregou no gatilho.
JC - Onde você arrumou esse revólver?
ADOLESCENTE - Com um cara lá da favela que tem uma bicicleta. Pedi para ele, ele trouxe. Peguei o revólver, paguei R$ 250 e ele foi embora.
JC - Onde você estava quando a polícia te achou?
ADOLESCENTE - Tava dormindo na casa de pai, na Xuxa (favela).
JC - Você matou uma pessoa e foi para casa dormir?
ADOLESCENTE - Eu estava com a cabeça pesada. Passei a madrugada todinha cheirando loló.
JC - E as outras coisas que foram encontradas na sua casa?
ADOLESCENTE - Isso foi de outros roubos que os meninos fizeram.


O diálogo acima faz parte da reportagem sobre a morte de Altina Coutinho, 53 anos, vítima de um tiro no peito quando ia ao supermercado.

Aprendi que quando as causas são complexas, difíceis de serem eliminadas devemos procurar minimizar as conseqüências. Recuperar a vida de jovens marcados pela violência tem causas que são assuntos de tratados, mas as conseqüencias estão descritas acima, que culminam no ato inútil desferido contra Altina.
A facilidade no acesso a armas e drogas fazem parte dessas conseqüências. Policiais andando nas ruas, simplesmente não irão reduzir a violência. Por outro lado, a prisão dos gerentes do crime (sim, a violência de hierarquia, sim. Tem até investidores, acredite) esbarra no duelo moral de uma constituição feita sob as sombras de 30 anos de opressão.

Os culpados pela violência também somos nós. Quando nos recusamos a ver em alguém que pede auxílio em um cruzamento, um ser humano. Jurandir Freire Costa antes mesmo de falar da crise moral que a nossa sociedade vive em o Vestígio e a Aura, já alertava para o nosso egoísmo e interesse, quando reconhecemos como seres humanos - e tratamos bem - apenas àqueles que podem nos oferecer algo em troca.

Portanto, não adianta ficar clamando e buscando culpados. Nossa histeria não irá trazer as Altinas e os Antônio Carlos de volta à vida. Nossa raiva e a sede por vingança não irão impedir que outras crianças busquem em um revólver uma forma de reduzir sua angústia e desesperança. Estamos todos no mesmo barco, somos todos elos da mesma corrente, pertencemos a mesma humanidade.
Vamos fazer a nossa parte. Até onde eu saiba, ninguém se sente bem ao se humilhar para pedir por um prato de comida, um tostão... E se o fazem sem demonstrar vergonha, é porque o resto de dignidade que possuíam já foi destruído pela nossa ignorância. E como no poema, quando os sinos dobrarem, não perguntemos por quem. Eles dobram por nós.

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